Quando o assunto é música eletrônica, é quase unânime a história de um potencial clubber: o início se dá a partir de uma conexão sublime em alguma festa, com a mesma energia compartilhada entre várias pessoas e um sentimento de liberdade e pertencimento.
Esse sentimento, em muitos casos, se desdobra em algo além de frequentar festas, e como resultado temos DJs, produtores musicais, produtores de eventos e mais uma infinidade de profissões que têm a música como ponto de partida.
E foi nesse contexto que Lisi, por influência de um amigo, começou a desbravar a carreira de DJ em 2008, quando conquistou sua primeira gig em uma boate de sua cidade, Pelotas, Rio Grande do Sul.
Movida pela paixão que a música é capaz de despertar, o caminho não tinha como ser outro: a artista se profissionalizou como DJ pela AIMEC de Porto Alegre, se formou em Produção Fonográfica em 2017 e, com especialização também em serviços de estúdio, deu à Lisi a base perfeita para trabalhar na remasterização de vinis de ninguém menos que Elza Soares e Tim Maia, lançados pela revista Noize em 2021.
Além de seu envolvimento com a música, o teatro foi para Lisi uma fonte essencial que potencializou seu lado artístico e serviu de inspiração para conectar a arte do DJ com a magia vivenciada nos palcos, sendo uma forma de quebrar paradigmas e se mostrar para o mundo. Esse envolvimento foi importante para se desenvolver enquanto produtora de eventos, buscando aliar as vivências do público com a cultura e entretenimento.
Essas vivências contribuíram para o surgimento de seu projeto artístico WOMAH, uma junção de woman (mulher) e plasma, o 4º estado da matéria, ou seja, a energia em sua potência máxima que compõe o universo. WOMAH é um ser cósmico vindo de outra dimensão para a Terra com o objetivo de transmitir a cultura de um planeta chamado Cosmo: um mundo que se conecta através da arte e fortalece conexões baseadas no respeito e união entre os seres.
Todo o seu misticismo também ecoa em suas produções, como as faixas: Insight, Magic Strings, Give me what you can take, Point os Perspective e seu EP, Treze.
A partir dessa ideia também nasceu o núcleo artístico, Cultura Cosmo, que já conta com mais de 4 anos de história, não só na produção de eventos, mas também na construção de um mercado mais harmônico, com mais representatividade de mulheres, estabelecendo pontes entre artistas e outros players, além de desenvolver iniciativas para desenvolvimento de carreira para outros DJ’s e produtores, o que foi intensificado durante a pandemia e fortaleceu a atuação do núcleo com novas parcerias.
“Não sei fazer outra coisa senão coisas relacionadas a entretenimento e cultura”, diz Lisi, que além de Produtora Musical é Produtora de Eventos, levando toda a experiência que só uma boa pista pode proporcionar.
Muito mais que lúdico, a música, para Lisi, é algo que vem da alma. A artista vem buscando sempre ter um olhar atento para o futuro e em como pode construir pontes que conectam as pessoas das mais variadas formas – do mercado propriamente dito ao público. Essa é uma visão importante que a leva a subverter a estrutura atual, influenciando outras mulheres e ajudando a abrir espaços para que outras frentes possam agregar novas ideias e construir um universo mais justo dentro disso que chamamos de música eletrônica.
E é claro que todos esses mais de 12 anos de história não passaram batido. Lisi foi indicada ao Prêmio Profissionais da Música 2023, realizado pela Academia dos Profissionais das Música do Brasil, nas categorias Eletrônico e Projetos Musicais de Entretenimento. Por se tratar de uma premiação que engloba vários setores da música não necessariamente voltados à e-music, Lisi enxerga essa indicação como um terreno fértil: “ mais um lugar para a música eletrônica ocupar.”
Se pudéssemos pensar em uma palavra que resumisse tudo o que dissemos até aqui seria: propósito. O propósito é o que move um artista e o motiva a buscar o novo e a se reinventar. A WOMAH sabe disso e é por isso que veio até a Terra compartilhar de sua filosofia.
Confira um pouco mais em nossa entrevista:
Além de artista, você também é uma agente que movimenta a cena eletrônica com a Cultura Cosmo. De que forma você acredita que projetos como esses potencializam a participação das mulheres nesse mercado?
Na Cultura Cosmo, priorizamos ter mulheres em cada setor e etapa, como nos line-ups, nas produções executivas, nas apresentações e nos debates. Inclusive, em uma entrevista para o Moonlight, uma das situações dos bastidores da produção que eu contei foi que, em uma época da Estação Espacial, acredito que na primeira temporada, tinham muitos homens escalados para se apresentar no programa, e eu lembro de perguntar em uma reunião para o Zomero, coprodutor do programa, “cadê as meninas? Vamos achar as meninas, precisa ser uma semana para cada.”
E essas ações são ótimas, porque geram conexão, representatividade e visibilidade. Eu acredito muito em um mercado mais harmônico e ter mais pessoas com essa preocupação faz toda diferença.
Você acha que o mercado está preparado para mulheres que subvertem a estrutura vigente e começam elas próprias a ditarem as regras? Ou ainda falta ocupar mais espaços de liderança para que isso seja uma realidade constante?
O mercado preparado ou não, já está mais do que na hora de ver mais mulheres começando a fazer o que sonham em fazer, independente do que seja. Eu, sinceramente, não acredito que exista uma data, hora marcada ou uma situação ideal pra gente se movimentar e, muito menos, uma “permissão” para começar a atuar. Sei que é mais difícil na maioria dos casos, se não em todos, mas sei também que existem alternativas e muitas pessoas a fim de fortalecer e construir algo melhor e maior pro futuro. Eu acho extremamente necessário enxergar essa parte positiva para não cairmos em sentimentos ruins e isso requer uma energia tripla, mas pra mim, a única realidade possível é a do movimento e não da espera.
Falando sobre sua indicação ao Prêmio Profissionais da Música, como você vê a relevância do seu trabalho neste momento e o impacto de estar nesse lugar ainda pouco ocupado pela música eletrônica?
Me sinto muito feliz e grata por ter sido indicada, votada, avaliada e apta a ocupar esse espaço que vejo tão poucos DJs e tão pouco da música eletrônica. Vejo que o movimento feito até aqui, somado a essa final do prêmio deste ano, é como uma sementinha de incentivo que eu gostaria de plantar a fim de que outros DJs ocupem esses espaços que vão além da noite, dos festivais e casas noturnas. Acredito, com isso, em um impacto social bastante positivo para que os DJs sejam reconhecidos como artistas e a música eletrônica como um gênero artístico e de positivo consumo, sem os preconceitos e paradigmas que se criaram na história.
Uma vez em uma entrevista da Cultura Cosmo, o René, da dupla Binaryh, falou que nós, artistas e profissionais do nicho, somos funcionários da música eletrônica e isso fez muito sentido pra mim. É muito amor e dedicação por tudo que envolve o nosso nicho e eu gostaria muito de conectar mais pessoas, de outros nichos também, em prol da nossa arte.
Seria ótimo que outros artistas também seguissem essa linha, onde o trabalho seja o serviço pela música eletrônica.
Você também faz um trabalho incrível com a criação de conteúdos voltados para o gerenciamento de carreiras, além de contribuir na divulgação de novos artistas e trazer outros mais experientes para debater sobre diversos temas. Como você começou a construir essa rede e quais dicas você pode dar para as pessoas que buscam fazer algo nesse sentido?
Apesar da Cultura Cosmo ter 4 anos de atuação no mercado, as conexões feitas para o desenvolvimento do universo digital se deram em escala nacional durante a pandemia e a marca foi sendo desenvolvida a cada temporada com programas que se apoiassem em três pilares: conteúdos para nosso consumo; conteúdos importantes para gerar inspiração e qualificação do mercado; além de conteúdos leves para o público em geral.
Mas tudo isso se transformou no início de abril (2020). Com a explosão das lives surgiu minha primeira ideia de movimentação do mercado, um desafio de DJs (inclusive, esses dias, ainda encontrei o plano, as artes e os testes).
Mas a ideia se perdeu no caminho e algum tempo depois, outra pessoa com mais recursos acabou usando. Isso me deixou um pouco frustrada, mas nesse meio tempo eu havia conhecido muitas histórias de outros profissionais do mercado e, quando todos nós nos conectamos em prol da solidariedade (Ciclone Bomba em junho/2020 — Santa Catarina) — Projeto Solidário Online da Cultura Cosmo: #HáLivesQueVemParaOBem — percebi que, ao invés de ficar frustrada, poderia focar na tentativa de criar oportunidade para essas outras histórias incríveis serem divulgadas.
Assim começou o “Via Lactalk”, programa onde todo o domingo às 20h, eu recebia e entrevistava artistas pelo Instagram (IGTV) com direito a apresentação de 1 hora de música no nosso canal da Twitch. Com essa ação, algum tempo depois conheci o Zomero, a Lapax e logo mais a Jamila – profissionais parceiros importantíssimos, que, junto comigo, atuaram nas ações da Cultura Cosmo de abril de 2021 até hoje.
Portanto, essa é a principal dica que dou para quem busca fazer algo para fortalecer e movimentar o mercado: se aliem a outras pessoas, outros grupos ou empresas para execução de ideias e movimentações no mercado.
A outra dica que, na verdade, é uma percepção baseada nas minhas experiências, é que mesmo que pareça uma situação ruim, sempre tem uma oportunidade legal escondida. Precisamos estar abertas para enxergar.
Seu projeto artístico, Womah (Mulher do Plasma) está ligado ao conceito do 4º estado da matéria que constitui praticamente tudo que existe no universo. De que forma essa ligação influencia a sua arte?
O projeto em si tem um conceito lúdico que me traz a leveza de poder ser e fazer o que eu achar melhor sem me preocupar muito com fatores externos, então isso acaba sendo sempre de dentro pra fora e eu não sei o que mais artístico e original isso poderia ser.
A criação da WOMAH, e logo do universo da Cultura Cosmo, me trouxeram a mentalidade de encarar a arte como um leque infinito de possibilidades não só com a música, mas abrindo espaço para conectar as outras artes dentro do projeto também. E quando eu assumi a postura da personagem WOMAH, passei a ter um olhar mais amplo para o mundo em geral, e isso refletiu absurdamente no meu processo criativo ao que diz respeito a conceito, referências e expressão.
E falando em universo, na entrevista com a Uh!Manas você comentou que a Cultura Cosmo tem o objetivo de construir uma nova cultura de arte e entretenimento fortalecendo a espiritualidade no mercado fonográfico focando na música eletrônica. Como você enxerga essa relação entre música e espiritualidade? Acha que isso pode se tornar uma tendência daqui pra frente?
A espiritualidade que me refiro dentro da Cultura Cosmo é relacionada à união e ao respeito entre tudo e todos no universo. Aposto muito nisso. Mas se tratando da nossa relação com nós mesmos, a título de autoconhecimento e propósito, temos um fato: a música tem grande impacto no nosso comportamento e no nosso estado emocional desde sempre.
Agora para fechar com nossa pergunta clássica: qual mensagem você gostaria de deixar para motivar outras mulheres a trilharem seu caminho na cena?
Se movimentem respeitando o tempo de vocês, mas movimentem!
Tem uma mensagem muito legal que meu Sifu de Kung Fu passou: “O Kung Fu é um ensinamento que só se soma” e eu percebi que a vida é uma bagagem que só se soma também. Portanto, se movimentem! Não é sobre comparação e pressa, mas sobre movimento! Muitas vezes, a gente acha que fazemos pouco, mas esse pouquinho por dia vai se somar no dia anterior, e com o tempo vários pouquinhos é tudo que precisa para a roda girar.
